Uma clarificação sempre necessária sobre o artigo 383º do CÓDIGO ELEITORAL

png BO CNEEm Março de 2015, o Provedor de Justiça remeteu à Assembleia Nacional uma sugestão legislativa no sentido de se «Clarificar o artigo 383º do Código Eleitoral» (Ver aqui), cujo conteúdo, no ano 2000, constava do artigo 272º do Código então em vigor. A questão reaparece a propósito da suspensão do mandato de Sua Excelência o Presidente da República (PR) por causa do anuncio da sua (re)candidatura. Diga-se de entrada, que é meu entendimento que o Presidente da República andou bem ao considerar-se suspenso de funções. O Presidente tem de cumprir a Lei, e se a lei que o obriga a suspender funções não é clara, não lhe compete proceder à sua clarificação; se esta mesma lei não está conforme com a Constituição, a questão é da exclusiva competência do Tribunal Constitucional e não do Presidente.  

Muito diferente, e há que clarificar, é a conformidade ou não do artigo 383º do Código Eleitoral (Ver aqui) com a Constituição da República de Cabo Verde (CRCV) (Ver aqui).

  1. As mesmas palavras, as mesmas vírgulas, mas… normas diferentes

Em favor da tese da conformidade do artigo 383º do Código Eleitoral (C.E.) (Ver aqui) com a Constituição da República de Cabo Verde (CRCV) (Ver aqui) por vezes se argumenta que o seu conteúdo constava da Constituição da República de 1992 até à 1ª revisão ordinária de 1999. O problema é esse, «constava», no passado, já «não consta» no presente. Para o efeito, pode-se mesmo imaginar que se tenha feita a operação «cortar», na Constituição (donde a norma saiu) e, a seguir, a operação «colar» no Código Eleitoral (C.E.), o que terá garantido a sobrevivência de todas as frases, palavras e vírgulas. Mas, meso assim, será que a norma sobreviveu?
Uma norma que está na Constituição, condiciona o sentido, os limites e a interpretação das outras normas que se refiram à mesma matéria, já que têm de ser compatibilizadas entre si; a norma que lá não está, a norma que de lá saiu, já não condiciona a interpretação de quaisquer outras normas da CRCV. Pelo contrário, essa que saiu, submete-se, «sem condições», àquelas que ficaram. Por exemplo, o artigo 104º da Constituição (Ver aqui), norma que vem de 1992 e ainda está em vigor, contém, entre outros, o princípio geral da periodicidade do sufrágio, que não é remetido para a lei ordinária. Esta periodicidade pressupõe um ciclo com um período (intervalo de tempo) conhecido, fixado em cinco anos no artigo 126º da CRCV(Ver aqui). Qualquer desviodo princípio geral da periodicidade deve ser constitucionalmente condicionado e é o que faz a alínea a) do nº2 do artigo 108º da CRCV(Ver aqui), ao admitir mais um mês ou menos um mês em relação ao fim do período/ «mandato». Se estivesse na CRCV o conteúdo do artigo 383º do C.E. (Ver aqui) que ora se discute, ele seria tido em conta para se determinar os limites aceitáveis de desvio em relação àquela periodicidade de cinco anos. Logo, não estando na CRCV desde a revisão de 1999, apenas estando no Código Eleitoral, em vez de «condicionar», de «limitar», ou de se «impor» perante aquelas ou quaisquer outras normas constitucionais, só lhe resta, «submeter-se», e sujeitar-se a uma avaliação visando determinar se ainda conserva algum valor à luz da CRCV.  
É de notar que a «suspensão» de mandato durará até à eleição (se não houver desistência), por um período de tempo arbitrariamente escolhido pelo candidato. Pode o Código Eleitoral, fazer com que um mandato de cinco anos fixado na CRCV (artigos 126º, 108º e 104º) (Ver aqui), no que tange ao seu pleno exercício, passe a ser de duração desconhecida, porque sujeita apenas à discricionariedade do titular do correspondente cargo na escolha da data do «anúncio público»?
Por ter saído da CRCV para o C. E., dificilmente se poderá garantir que a norma sobreviveu, sendo certo que o que dela restou (o artigo 383º do C.E.) (Ver aqui) é fruto de uma «degradação» da norma que vigorou na CRCV até 1999, «degradação» ocorrida por causa do previsível abaixamento de hierarquia, com as consequências que se acaba de exemplificar mais acima.  
A sugestão legislativa (Ver aqui) que foi feita à Assembleia Nacional, traz «razoabilidade» ao reduzir para cerca de cinquenta e cinco dias o período de suspensão de mandato e ao eliminar a discricionariedade que pudesse levar a uma suspensão de mandato durante dezenas de meses, por exemplo. Mas é de admitir a subsistência de controvérsias na compatibilização com os artigos 126º, 108º e 104º da CRCV (Ver aqui), mesmo com a alteração sugerida.